segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"Olhar com os olhos..."

"Olhar com os olhos e tocar com a pele é a solução para todos os problemas do mundo. Olhar com olhos faria com que o ouro fosse simplesmente uma bosta de um metal e um diamante uma bosta de uma pedra mais brilhante. E os homens e os animais e o mundo não se alimentam de metais nem de pedras mais brilhantes. Os homens e os animais alimentam-se de comida para comer e de água para beber. E ainda do ouro de um abraço, do diamante de um sorriso. A loucura saudável é a solução para os problemas do mundo. A loucura que não se deixa embrulhar em presentes envenenados. A loucura que, tão somente isso, consegue olhar com os olhos e tocar com a pele. E valorizar pelo critério da suprararidade, da sempreraridade. E é só aquilo que realmente é valioso que é realmente raro. Mesmo que haja milhões, mesmo que haja a toda a hora, em todo o lado. E mesmo que haja milhões de abraços é sempre raro um abraço. E um louco sabe, pobre demente, que tem saudades do abraço até no próprio momento em que o abraço acontece. E o louco sabe, pobre demente, que um abraço acabado de dar é tão raro que nem apetece acabar. E para os loucos, como para a vida, o mais importante é, tão simplesmente, aquilo que é de facto mais importante. E se quer um abraço: abraça; e se quer sorrir: sorri; e se quer amar: ama. E não precisa de metais nem de pedras brilhantes. E não precisa de papéis verdes ou azuis ou vermelhos para saber que o que vale, o que é raro, é aquilo que o faz viver e que faz viver o mundo. Comida para comer, bebida para beber. E gente para viver. E é tão raro encontrar gente para viver. Gente que não valha papéis nem metais. Gente que valha a pena. Gente rara. Gente que olhe com os olhos e toque com a pele. Gente que não precise de intermediários para viver. Gente sem vendedores dentro. Gente tão gente que não precisa de publicidade, de anúncios ou de negociações. Gente que é uma pechincha apesar de ser uma raridade. Gente sem etiqueta. Gente sem preço. Terás capital para a comprar?"


Pedro Chagas

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