domingo, 29 de maio de 2011

O Estado e as Coisas

Já me encontrei neste lugar várias vezes durante a minha vida. Momentos de decisão, momentos que parecem impasses, mas já diz o ditado que quando uma porta se fecha, uma janela se abre, e a verdade é que tem-se aberto sempre, porque o mundo é assim mesmo, um vai e vem de oportunidades, para uns, de problemas para outros.
Sou como todos, tenho medo, preocupo-me, erro, vivo demasiado tempo no passado, falta-me as forças, culpo outros, sou agressiva, viro costas. Mas são curtos espaços de tempo, loucura seria diariamente escolher estes estados de espírito ao longo do caminho.
As ruas que temos de percorrer são inevitáveis, mas a forma como as vamos pisando, com que pensamento, com que atitude…isso é escolha nossa. Eu escolho não me deixar abater por muito tempo. Dizem que dar a volta por cima é para alguns, eu digo que todos damos a volta por cima, mas uns a queixar-se mais e outros menos, mas todos, daqui a 10 anos estamos a fazer outras coisas, com outros problemas completamente diferentes e alguns de nós, já nem aqui estarão, ou quem sabe nem nós?! …
Escolho portanto ir sorrindo e sempre acreditar, nos dias melhores e que hoje, e todos os dias, consigo retirar algo de bom ao dia. Encontro sempre algo por o que sorrir, exaltar e me dedicar que me faça rir, descomprimir…às vezes esqueço-me desses 10 minutos de calma e paz…por semanas…e pimbas dou de caras com um problemão! Uma doença, um buraco na estrada, um trambolhão! E olho para isso e penso…hmmm Lia “estavas desatenta de novo, a viver noutro lugar que não o presente, vamos lá a olhar para a estrada”!
Encontro-me num momento de escolhas, a mudança é inevitável pois criou-se um grande problema, naquilo que parecia ser a salvação. Acreditei em mim, nos outros e no universo. Aprendi muito, sou uma pessoa totalmente diferente, mais madura, com mais conhecimentos, mas parece que esta rua está a acabar e outras terei de conhecer e pisar.
Não há culpas nem culpados…há circunstancias. Há o Estado, as coisas e o estado das coisas!
O estado das coisas…pessoalmente, vivo sozinha, num quarto de um apartamento com mais duas estudantes que me sujam a casa toda e raramente limpam, já para não falar das festas com os amigos e eu acordar com o barulho delas a vomitar na casa de banho. Saí de casa por orgulho e necessidade. Gastava muito dinheiro a comer fora de casa por trabalhar muitas vezes das 7h ou 9h às 22h. Andava cansada de dormir sestas no carro pela tarde quando tinha umas horinhas livres…
Descobri que safarmo-nos sozinhos é mais triste, não temos com quem conversar, quem nos lave a loiça, a roupa, nos faça a comida por vezes…Mas na verdade é mais aliviante não ter a pressão constante da mãe e irmã a “chatear a cabeça”. Diz o ditado e bem…”venha o diabo e escolha”.
Dedico-me imenso ao meu trabalho, visto a camisola de tal forma que acredito ser a minha casa, por vezes sou um pouco agressiva, mas regra geral, consigo ser bastante humilde e perseverante, tanto com os colegas que se fartam de me tentar derrubar, em vez de apoiar, e até com o patrão que se fartava de fazer promessas e falar em optimismos e hoje já avisa que não dá nada a ninguém e é uma sorte termos o que temos… Mas o mundo trata de nos mostrar que a mudança é necessária e a escarpa intransponível. E estou numa escarpa. Tenho de mudar de direcção ou acabo no fundo do poço!
Não porque não quero mais isto, não porque não adoro o meu trabalho e na verdade por momentos já nem me imaginava a fazer outra coisa…mas porque não posso trabalhar muito neste país. Se trabalhar como trabalho, isto é as horas que trabalho e com um contrato a recibos verdes que me é oferecido como única opção, então vou ganhar na verdade metade do que recebo!
Explico-me, é derivado ao estado das coisas: da crise, da facturação pobre, das regalias que não me podem pagar, do valor que por muito que trabalhe por merecer, não me pode ser dado, porque as coisas…não estão para gastos maiores, mas para cortes!
A primeira função que me era exigida quando iniciei este trabalho era instrutora de cardio-musculação e de aulas de grupo. Hoje sou também recepcionista, faço manutenção às máquinas, faço manutenção e cuido do Spa, organizo eventos internos e externos, sou a única pessoa que se disponibiliza a trabalhar todos os dias e fins de semana, de manhã, à tarde e à noite até às 22h. Tenho também a alcunha de “responsável pela sala de exercício”, onde me é exigido manter a comunicação positiva com os meus colegas, organizar tudo, verificar se os procedimentos são cumpridos, motivar a equipa, solucionar problemas, etc. Por ter este “cargo”, tudo o que faço é minuciosamente inspeccionado por todos os colegas sendo que, qualquer coisa de positivo e bem feito, é considerado “não mais do que a minha obrigação”, como líder e responsável, sem que me seja dado qualquer valorização intangível ou material. Há por vezes, umas palavras de afecto de um ou outro colega, e claro a muitíssima prezada atenção dos sócios do ginásio, que não se poupam em elogios à minha pessoa, e é isso que conta para mim no final do dia e me faz sorrir, por fora e por dentro. Por outro lado, quando falho em alguma coisinha, e geralmente são coisas pequenas, estou a errar redondamente porque “sou a líder e tenho de dar o exemplo”.
Mas eu não sou líder…não porque não me sinto capaz, não porque não tenho a motivação ou tenho a mania que preciso de valorização. Não me vitimizo com desculpas de que os outros não me dão valor. Eu sei que o tenho, eu conheço-me, todos os dias sinto que ajudo as pessoas, elas sorriem e sentem-se melhores depois de estarem na minha presença, eu sinto isso e sou tão feliz por isso…Deixar de ter essa oportunidade neste lugar é das decisões mais difíceis que tenho de tomar, pois pela primeira vez, tenho de me ir embora de um lugar, mas a querer ficar. Mas a situação é insustentável, não porque quero, mas porque não posso aguentar mais as despesas que tenho.
Não tem a ver com o facto de receber pouco, mas por receber um pouquinho acima do ordenado mínimo tenho de descontar 29% (de 70% do ano anterior) para a Segurança Social, que será cerca de 180€ por mês, mais a retenção na fonte de irs (24%) o que faz com que o “um pouco mais do que o mínimo” que recebo…passe a “não o suficiente para comer”. Se recebesse menos do que o ordenado mínimo passando recibos verdes não teria de descontar para a segurança social e assim poderia ficar com pelo menos 75% do salário que já seria abaixo do mínimo nacional.
Como trabalhadores independentes os nossos direitos são nulos. Estou a trabalhar há 5 anos desta forma, porque me é exigido, tanto nas escolas como nas empresas. Se fico desepregada agora…mesmo que tivesse feito os descontos que deveria, não teria direito a nenhum subsídio de desemprego, nem nada do género. Não existe a possibilidade de me darem um contrato de trabalho por as regalias para os empregados a contrato serem demasiado elevadas (as empresas tem de pagar subsidio de alimentação, de férias de verão, de natal, tem de pagar 13º e 14º mês e ainda tem de ficar 1 mês sem nós no estabelecimento e safar-se).
Vivo sozinha, mas tenho dívidas também, estou ainda a pagar um carro que comprei há 3 anos porque precisava de me deslocar para os 6 trabalhos que tinha na altura (umas horas aqui outras ali), porque precisava mesmo, era usado e barato, mas por não ter fiador disponível tive de aceitar um crédito com 20% de juros.
Por conduzir sou um alvo, estacionei o carro em frente ao meu trabalho todos os dias por quase 1 ano, um belo dia saio às 22h30 do trabalho esgotada e deparo-me com o carro rebocado na PSP, 120€ de multa…disseram-me que estava a estorvar! Deixei de andar de carro, tenho demasiado medo de voltar a ter um azar destes e voltar a ter de pedir à senhoria para pagar a renda mais tarde como aconteceu no mês que se seguiu esse episódio. Pousei o carro na garagem, ando a pagá-lo, mas prefiro andar a pé ou de bicicleta.
Este mês tive de fazer o meu irs, claro que tenho de pagar, apesar de ter apresentado imensas despesas de saúde e educação. Pois ainda nem falei disso, achei com a minha fé e inocência, muita ingenuidade a minha…que podia tirar um mestrado, apostar no meu futuro, estudar numa escola pública, já que trabalho, e me esforço tanto, poderia aprender mais, pois poderei não conseguir ser professora de educação física para sempre, requer saúde e força física que nunca se sabe se pode faltar um dia. Mas estava bastante enganada…não por não conseguir, pois faltam-me 2 cadeiras e a tese que já iniciei. Mas porque obviamente não consigo pagar o resto das propinas. Não consegui…tentei…esforcei-me, poupei…tentei, fiz as cadeiras, mas por não ter pago as propinas, não vai contar, pois se não as pagar não me posso matricular no 2º ano do mestrado…Vou ter de encarar a realidade e parar. Não desisti…mas sou obrigada a encarar o que passei os últimos meses a ignorar.
Não posso trabalhar no Fit&Fun que adoro, porque o Estado e as coisas, não permite à empresa ter interesse em dar-me um contrato de trabalho. Não posso porque tenho de descontar metade para o estado e não me chegará para comer…
Sim…podia voltar para a casa da minha mãe, que é minha também. Mas seria voltar aos problemas iniciais que já tinha concluído há um ano que não me faziam avançar, teria de acabar por pedir ajuda à minha mãe, teria de dizer-lhe: “mãe…tinhas razão, não vale de nada tirar um curso…mais valia ter ido para uma coisa qualquer técnica ou trabalhar numa fábrica, ganhava menos mas ao menos era certinho…e não tinha gasto tanto a ir para a universidade, tens razão, tenho quase 30 anos e não tenho nada, nem estabilidade nem objectivos de futuro”.
Será que fiz algo de errado? Será que estudar, trabalhar, lutar por uma vida melhor, por ascender socialmente está errado? Está errado tentar receber mais do que um ordenado mínimo e tentar ser independente? Será que estarei realmente errada e os jovens que permanecem acomodados nas casas dos pais (que ainda mantêm os seus empregos conseguidos noutras alturas melhores), sem se esforçar por ter mais, por fazer mais, por ser produtivos, será que esses é que estão realmente a ser espertos e acertados?
Foi esta a mentalidade que me fez sair de casa…esta negatividade que me tem obrigado a lutar o dobro, para conseguir o que sonho sozinha, para provar a mim mesma que sou capaz de ir mais longe…mas agora deparo-me com um impasse…Não posso mais seguir este caminho. O que vou fazer fora desta “casa” que tenho ajudado a construir? Não sei…Vou continuar a lutar, e tudo há-de correr bem. Acredito nisso!

2 comentários:

Beatriz Caitana disse...

ainda não li todo ele, mas farei em breve. bjs

Ana Luísa disse...

Lia, não sei exactamente qual a tua situação em relação à tua mãe, mas digo-te que entre tds esses problemas + as estudantes com quem vives são razões suficientes para dares um passo atrás. Acredita, não há mal nenhum em dar esse passo. No momento chega a ser um pouco humilhante (é a sensação que dá, não quer dizer que seja), mas depois vale a pena quando percebes que te dá algum conforto. E digo isto porque já me aconteceu, mas eu não vivia num quarto, eu comprei casa! Comprei casa com a pessoa com quem namorava, vivi lá 2 anos e dps de tudo no lugar saí eu pra entrar "outra pessoa". Adivinha pra onde fui? Para casa dos meus pais...Naquele momento da minha vida foi o melhor que me podia acontecer, porque para além do conforto de viver com alguém que realmente gosta de mim, deixei de ter despesas que tinha antes e consegui poupar algum para quando estiver desempregada...Eles sabem que é só até endireitar a minha vida, quero sair daqui, e apesar de todos os stresses que às vezes temos (é normal) gosto de estar aqui...Por isso é só um conselho que te dou, se me permitires claro, uma vez que não nos conhecemos realmente! Pensa bem nisso e no que podes ganhar com essa nova situação.